11 de fevereiro de 2010

Tempo de arrumar


Vamos comparar a vida à uma casa: precisa ser arrumada, cada canto precisa ser limpo para que não acumule ácaro e outros micróbios que se intalam na sujeira, assim prejudicando a saúde de quem nela mora.


Além dos conceitos básicos de limpeza e os motivos pelos quais limpamos uma casa, precisamos nos preocupar com a forma com a qual os móveis nela são distribuídos para que os espaços sejam melhor aproveitados.

Assim como arrumamos uma casa pro nosso conforto e saúde, precisamos arrumar nossa vida de tempos em tempos, para que coloquemos pra fora o que não mais nos interessa, incorporemos coisas novas que nos serão úteis, aproveitemos melhor os espaços da alma, colocando pra fora os "móveis" que não trazem beleza à nossa existência, e desfrutemos dos conhecimentos adquiridos, estes, muitas das vezes, escondidos sob os velhos sentimentos, como a mágoa e a culpa que não nos permitem evoluir.

É um processo doloroso, que requer solidão. Mas como dizia o Pe. Léo, uma das pessoas mais dignas que já tive o prazer de ouvir, não há crescimento que não passe pelo sofrimento.


O texto seguinte é de Gabriel Perissé, doutor em educação pela USP e escritor. Ele nos permite, de uma forma literária, perceber o quão minucioso é o trabalho de arrumação da vida. Aproveitem a leitura.


"Arrumar o rumo, arrumar os olhos, arrumar os livros, arrumar a alma.
Tempo de arrumar o tempo que dedico ao ócio, e que o ócio me permita negociar comigo mesmo o preço impagável da reflexão.
Arrumar as roupas, arrumar o corpo, arrumar a cama, arrumar a agenda.
Tempo de arrumar os pensamentos, esse infinito jogo de dominó, jogo de impaciente paciência, sempre novo jogo da velha, jogo da verdade, jogo da mentira, jogo de cintura, jogo em que aposto tudo o que tenho naquilo tudo que sou.
Arrumar as ruas, arrumar as pontes, arrumar os becos, arrumar os prédios.
Tempo de arrumar os afetos, os sentimentos, as emoções, as intuições, tempo de arrumar as lembranças, tempo de arrumar as mágoas que ficaram nas gavetas do tempo, tempo de arrumar o coração.
Arrumar o que restou de ontem, arrumar o que ficou depois da desistência, o que sobrou depois das tempestades.
Tempo de arrumar por dentro e por fora, de esvaziar o cheio, de encher o esvaziado, de arrancar o podre e replantar o belo, de cortar o excesso e incrementar o atrofiado.
Arrumar com ritmo, com calma, arrumar com atenção, com respeito, com vontade.
Tempo de arrumar o espaço para que nele eu caiba, para que nele eu guarde e resguarde, para que nele eu sobreviva e viva, para que nele eu durma, para que nele eu sonhe, para que nele eu acorde afinal.
Arrumar a rotina, arrumar os deveres, arrumar os papéis, arrumar o passado.
Tempo de arrumar a vida em suas dimensões mais prosaicas ou arcaicas, vida que é labirinto, escadaria, oceano, deserto, jardim, montanha e outras metáforas.
Arrumar o riso, arrumar a raiva, arrumar a saudade, arrumar os desejos.
Tempo de arrumar as pedras, classificá-las pela ordem de chegada, arrumar um raciocínio para entender esse apedrejamento, arrumar forças para não morrer antes do tempo.
Arrumar os ritos, recuperar da religião a pertinência, recuperar da esperança a contundência, recuperar das palavras o som e o sentido.
Tempo de arrumar uma forma de atravessar o mar e chegar a outras terras, a outros mundos, sem querer colonizar ou explorar — vontade apenas de conhecer o inusitado.
Arrumar o raso e o profundo, arrumar o texto, a pontuação, arrumar o estilo.
Tempo de arrumar o tabuleiro da existência, arrumar as peças, e fazer lances melhores em novas partidas."

Um comentário:

Danny Mansani disse...

Frô, muito lindo o post.

Espero, de coração, que você consiga arrumar tudo aquilo que está te fazendo mal, e sair disso tudo mais forte. Não sei muito mais o que dizer, até pq, "não há muito que possa ser dito que seja capaz de mudar como me sinto"... Mas de coração, sempre, espero que seja lá o que te aborrece e o que você busca, que vc alcance e se recupere de todas as feridas abertas e não curadas.

Amo-te.